Ivan – Um caso de Trombocitopénia Imunomediada
A Trombocitopénia consiste numa diminuição do número de plaquetas no sangue e pode resultar de uma diminuição da sua produção ou de um aumento da sua destruição/consumo. As plaquetas são o principal interveniente na coagulação sanguínea logo, animais com trombocitopénia apresentam geralmente hemorragias espontâneas (hematúria, epistáxis) ou hemorragias na pele e mucosas (petéquias, equimoses).
O diagnóstico de Trombocitopénia Imunomediada é feito através da exclusão de outras possiveis causas da diminuição do número de plaquetas, nomeadamente as causadas por tumores, induzidas por fármacos, alterações de medula ou de baço. Pode afectar cães de todas as idades e de qualquer raça, embora se verifique mais frequentemente em cães de meia idade e nas raças Cocker Spaniel e Old English Sheepdog.
O Ivan, um Pitt Bull com cerca de 3 anos, veio à consulta com história de hematúria (presença de sangue na urina) que pensámos tratar-se de uma infecção urinária. Contudo no dia seguinte voltou à clínica porque a hematúria tinha-se agravado, ou seja, a urina dele era praticamente só sangue. Para além dessa hemorragia, apresentava também hematomas no abdómen e virilhas e petéquias na mucosa oral. Iniciou medicação com antibióticos, corticosteróides e vitamina K.
Colheu-se sangue para enviar para laboratório, cujo resultado revelou a presença de uma anemia severa, níveis plaquetários muito baixos, assim como alterações compatíveis com a presença de uma Riquetsiose (Ricketsia, um dos agentes responsáveis pela Febre da Carraça). Perante estes resultados houve necessidade de sujeitar o Ivan a uma transfusão de concentrado de eritrócitos e de plasma. Iniciou também tratamento para o agente da Febre de Carraça.
Nos dias seguintes o quadro clínico do Ivan manteve-se praticamente igual não tendo havido grande resposta à medicação. Fez novamente transfusão de concentrado de eritrócitos e plasma para tentarmos melhorar os níveis de anemia assim como tentar estimular a produção de plaquetas. Durante este periodo foram feitos outros exames complementares, nomeadamente ecografia abominal, análise de urina e titulação de anticorpos para Leishmania e Dirofilaria (cujos resultados foram negativos). A ecografia abdominal revelou a presença de uma inflamação vesical assim como a presença de coágulos e cristais no interior da bexiga (resultado coadjuvado com a urianálise). Não se encontraram outras alterações nos restantes órgãos abdominais.
Ao fim de dez dias de tratamento, o Ivan apresentava ainda perdas de sangue muito acentuadas especialmente na urina, mas também nas fezes e no vómito. Os níveis de plaquetas continuavam muito baixos e a anemia severa, que chegou inclusivamente a provocar-lhe uma paragem cardio-respiratória que conseguimos reverter, através da administração de atropina, oxigénio e nova transfusão de concentrado de eritrócitos.
Excluídas todas as outras causas de trombocitopénia, focavamo-nos agora num diagnóstico de Trombocitopénia Imunomediada, para o qual seria necessário instituir uma terapêutica mais agressiva. Ou seja, o Ivan passou a fazer doses muito mais elevadas de corticosteróides em associação com outro medicamento imunossupressor. Foi sujeito a mais duas transfusões de concentrado de eritrócitos e de plasma.
Entre a segunda e a terceira semana de tratamento o quadro clínico do Ivan começou a melhorar. Deixaram de ocorrer hemorragias activas, a contagem de plaquetas começou a aumentar, os níveis de eritrócitos aumentaram e ele começou a ficar muito mais activo, a comer melhor, com fezes e urina normais. Nesta altura foi para casa dos donos com medicação por via oral. Ao fim de cinco dias o Ivan voltou a piorar, demonstrando nesta altura alguma incoordenação motora e nistagmus (movimentos oculares involuntários). Monitorizou-se o hemograma assim como a função renal, hepática e electrolítica, através de nova colheita de sangue. Os resultados não foram muito animadores uma vez que, embora a anemia e os níveis de plaquetas estivessem relativamente estáveis, havia sinais preocupantes de uma infecção activa, de nefrotoxicidade e hepatotoxicidade. Iniciou antibioterapia agressiva e foi sujeito a nova transfusão sanguínea. O Ivan apresentava ainda uma preocupante e progressiva perda de massa muscular, muito evidente sobretudo ao nível dos músculos da cabeça e face. Fez-se titulação de anticorpos para Neospora (um parasita do género do Toxoplasma, frequentemente responsável por este tipo de sinais) cujo resultado também foi negativo. Não foi descartada a hipótese tumoral pois esta obrigaria a uma avaliação mais rigorosa com TAC ou Ressonância Magnética que teriam que ser feitas sob anestesia geral o que, dado o estado do Ivan, seria um procedimento muitíssimo arriscado.
Apesar de todos os esforços da nossa parte e da parte dos donos, o estado do Ivan foi-se deteriorando com o passar do tempo, sem que houvesse grandes sinais de recuperação.
Infelizmente, o Ivan acabou por falecer um mês após o início dos sintomas e de uma incrível vontade de viver, que nos fez envolver ainda mais no caso e criar laços muito especiais com este adorável cão. Foi com grande pesar e com um grande sentimento de impotência que vimos o Ivan partir.
Joana Brito (Médica Veterinária)